A respeito da postagem anterior, complemento compartilhando o texto de Matheus Pichonelli
Almeidinha era o sujeito inventado pelos amigos de faculdade para
personalizar tudo o que não queríamos nos transformar ao longo dos anos. A
projeção era a de um cidadão médio: resmungão em casa, satisfeito com o emprego
na “firma” e à espera da aposentadoria para poder tomar banho, colocar pijama
às quatro da tarde, assistir ao Datena e reclamar da janta preparada pela
esposa. O Almeidinha é aquele sujeito capaz de rir de qualquer piada de
português, negro, gay e loira. Que guarda revistas pornográficas no armário,
baba nas pernas da vizinha desquitada (é assim que ele
fala) mas implica quando a filha coloca um vestido mais curto. Que não perde a
chance de dizer o quanto a esposa (ele chama de “patroa”) engordou desde o
casamento.
O Almeidinha, para nosso espanto, está hoje em toda parte. Multiplicou-se
em proporção geométrica e, com os anos, se modernizou. O sujeito que montava no
carro no fim de semana e levava a família para ir ao jardim zoológico dar
pipoca aos macacos (apesar das placas de proibição) sucumbiu ao sinal dos
tempos e aderiu à internet. Virou um militante das correntes de e-mail com
alertas sobre o perigo comunista, as contas no exterior do ex-presidente, os
planos do Congresso para acabar com o 13º salário. Depois foi para o Orkut.
Depois para o Facebook. Ali encontrou os amigos da firma que todos os dias o
lembram dos perigos de se viver num mundo sem valores familiares. O Almeidinha
presta serviços humanitários ao compartilhar alarmes sobre privacidade na rede,
homenagens a pessoas doentes e fotos de crianças deformadas. O Almeidinha
também distribui bons dias aos amigos com piadas sobre o Verdão (“estude para o
vestibular porque vai cair…hihihii”) e mensagens motivacionais. A favorita é
aquela sobre amar as pessoas como se não houvesse amanhã, que ele jura ser do
Cazuza mas chegou a ele como Caio Fernandes (sic) Abreu.
O Almeidinha gosta também de se posicionar sobre os assuntos que causam
comoção. Para ele, a atual onda de violência em São Paulo só acontece porque os
pobres, para ele potenciais criminosos (seja assassino ou ladrão de galinha)
têm direitos demais. O Almeidinha tem um lema: “Direitos Humanos para Humanos
Direitos”. Aliás, é ouvir essa expressão, que ele não sabe definir muito bem, e
o Almeidinha boa praça e inofensivo da vizinhança se transforma. “Lógica da criminalidade”,
“superlotação de presídios”, “sindicato do crime”, “enfrentamento”, “uso
excessivo da força”, para ele, é conversa de intelectual. E se tem uma coisa
que o Almeidinha detesta mais que o Lula ou o Mano Menezes (sempre nesta ordem)
é intelectual. O Almeidinha tem pavor. Tivesse duas bombas eram dois endereços
certos: a favela e a USP. A favela porque ele acredita no governador Sergio
Cabral quando ele fala em fábrica de marginais. A USP porque está cansado de
trabalhar para pagar a conta de gente que não tem nada a fazer a não ser
promover greves, invasões, protestos e espalhar palavras difíceis. O Almeidinha
vota no primeiro candidato que propuser esterilizar a fábrica de marginal e a
construção de um estacionamento no lugar da universidade pública.
Uma metralhadora na mão do Almeidinha e não sobraria vagabundo na Terra.
(O Almeidinha até fala baixo para não ser repreendido pela “patroa”, mas se
alguém falar ao ouvido dele que “Hitler não estava assim tão errado” ganha um
amigo para o resto da vida).
A cólera, que o fazia acordar condenando o mundo pela manhã, está agora
controlada graças aos remédios. O Almeidinha evoluiu muito desde então. Embora
desconfiado, o Almeidinha anda numas, por exemplo, de que agora as coisas estão
entrando nos eixos porque os políticos – para ele a representação de tudo o que
o impediu de ter uma casa na praia – estão indo para a cadeia. Ele não entende
uma palavra do que diz o tal do Joaquim Barbosa, mas já reservou espaço para um
pôster do ministro do Supremo ao lado do cartaz do Luciano Huck (“cara bom,
ajuda as pessoas”) e do Rafinha Bastos (“ele sim tem coragem de falar a
verdade”). O Almeidinha não teve colegas negros na escola nem na faculdade, mas
ele acha que o exemplo de Barbosa e do presidente Barack Obama é prova
inequívoca de que o sistema de cotas é uma medida populista. É o que dizia o
“meme” que ele espalhou no Facebook com o argumento de que, na escravidão, o
tráfico de escravos tinha participação dos africanos. Por isso, quando o
assunto encrespa, ele costuma recorrer ao “nada contra, até tenho amigos de cor
(é assim que ele fala), mas muitos deles têm preconceitos contra eles mesmos”.
O Almeidinha costuma repetir também que os pobres é que não se ajudam.
Vê o caso da empregada, que achou pouco ganhar vinte reais por dia para lavar
suas cuecas e preferiu voltar a estudar. Culpa do Bolsa Família, ele diz, esse
instrumento eleitoral que leva todos os nordestinos, descendentes de
nordestinos e simpatizantes de nordestinos a votar com medo de perder a boquinha.
Em tempo: o filho do Almeidinha tem quase 30 anos e nunca trabalhou. Falta de
oportunidade, diz o Almeidinha, só porque o filho não tem pistolão. Vagabundo é
outra coisa. Outra cor. Como o pai, o filho do Almeidinha detesta qualquer tipo
de bolsa governamental. A bolsa-gasolina que recebe do pai, garante, é outra
coisa. Não mexe com recurso público. (O Almeidinha não conta pra ninguém, mas
liga todo dia, duas vezes por dia, para o primo de um conhecido instalado na
prefeitura para saber se não tem uma boca de assessor para o filho em algum
gabinete).
O filho do Almeidinha também é ativista virtual. Curte PlayStation, as
sacadas do Willy Wonka, frases sobre erros de gramática do Enem, frases sobre o
frio, sobre o que comer no almoço e sobre as bebedeiras com os moleques no fim
de semana (segue a página de oito marcas de cerveja). Compartilha vídeos de
propagandas de carro e fotos de mulheres barrigudas e sem dentes na praia. Riu
até doer a barriga com a página das barangas. Detesta política – ele não passa um
dia sem lembrar a eleição do Tiririca para dizer que só tem palhaço em
Brasília. E se sente vingado toda vez que alguém do CQC faz “lero-lero” na
frente do Congresso. Acha todos eles uns caras fodásticos (é assim que ele
fala). Talvez até mais que o Arnaldo Jabor. Pensa em votar com nariz de palhaço
na próxima eleição (pensa em fazer isso até que o voto deixe de ser obrigatório
e ele possa aproveitar o domingo no videogame). Até lá, vai seguir destruindo
placas e cavaletes que atrapalham suas andanças pela cidade.
Como o pai, o filho do Almeidinha tem respostas e certezas para tudo.
Não viveu na ditadura, mas morre de saudade dos tempos em que as coisas
funcionavam. Espera ansioso um plebiscito para introduzir de vez a pena de
morte (a única solução para a malandragem) e reduzir a maioridade penal até o
dia em que se poderá levar bebês de oito meses para a cadeia. Quer um
plebiscito também para acabar com a Marcha das Vadias. O que é bonito, para
ele, é para se ver. E se tocar. E ninguém ouve cantada se não provoca (a
favorita dele é “hoje não é seu aniversário mas você está de parabéns, sua
linda”. Fala isso com os amigos e sai em disparada no carro do pai. O filho do
Almeidinha era “O” zoão da turma na facul).
Pai e filho estão cada vez mais parecidos. O pai já joga Playstation e o
menino de 30 anos já fala sobre a decadência dos costumes. Para tudo têm uma
sentença: “Ê, Brasil”. Almeidinha pai e Almeidinha filho têm admiração similar
ao estilo civilizado de vida europeu. Não passam um dia sem dizer que a vida,
deles e da humanidade em geral, seria melhor se o país fosse dividido entre o
Brasil do Sul e o Brasil do Norte. Quando esse dia chegar, garantem, o Brasil
enfim será o país do presente e não do futuro. Um país à imagem e semelhança de
um Almeidinha.
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